terça-feira, 20 de julho de 2010

perdas do cinema latino-americano 3

A proibição do roteiro do filme "OS DEMÔNIOS" (JBA e Lauro César Muniz/1981).
Com o roteiro proibido, não pude filmar "Os demônios" como eu queria, em 1982.
Leiam, depois o texto abaixo, enviado por mim para Maria do Rosário Caetano.
Mas reforço um sentimento: o de mais uma perda irreparável: Em 1982 eu estaria falando não somente da ditadura ( em sua fase de "retirada") mas das debilidades da abertura política. Para os que muitas vezes nos cobram ("argentinos falaram mais das ditaduras") anoto que "Os Demônios" teria sido realizado muito antes do argentino "A história Oficial", marco do cinema atual de "los hermanos").
TRECHO DA CARTA A MARIA DO ROSÁRIO:
Tentei de todas as formas filmar o “Vlado” (ficção inviabilizada em 1990 pelo plano Collor) e o roteiro de "Os Demônios" (meu e do Lauro César) que fora proibido em 1981 e não consegui apoio nem na Petrobrás, nem no BNDES, nem no Fomento. O filme teria um caráter impressionantemente revelador, pois o foco seria a luta pela abertura política e os limites dessa abertura, tal como se discute hoje: o personagem principal, Paulo,(teria sido o Othon Bastos!) chega do exílio, sente que não entende mais o país, não se entende com sua filha adolescente (geração do "milagre", shopping centers, etc.). Sua ex-mulher (Vera Fischer!) está casada com um homem de publicidade (Paulo descobrirá depois que ele teria feito uns filmezinhos institucionais fascistas para o governo militar). Apesar de estar desconcertado com as mudanças do país, seu grupo de esquerda o obriga a lançar mão de idéias que ele considerava superadas. Ele encontra seu torturador, na rua e tenta denunciá-lo. Isso causa uma reação entre os militares ("revanchismo"). Com isso as lideranças do projeto de abertura o isolam, temendo um golpe de estado. Paulo não vê outra saída, volta para o exílio. Quem me comunicou a proibição, em 1981, foi o Roberto Parreira, diretor da Embrafilme, que disse que não poderia me explicar nada, só informar.

perdas do cinema latino-americano 2

Continuando relato sobre a "mesa" de debates sobre meus filmes no 5º Festival Latino Americano de SP.
A fala de Jean Claude Bernardet buscou apresentar o que ele via como essencial em minha obra, a vertente documentária que, de fato, "contamina" todos os meus filmes. Essa visão já vinha sendo elaborada desde sua análise de meu primeiro filme, "Liberdade de Imprensa", infelizmente também proibido pela ditadura ( apreendido no Congresso da Une, Ibiuna/1968) quando se preparava sua distribuição nacional a ser feita prelos estudantes: o filme só voltou a ser exibido publicamente quando restaurado pela Cinemateca, com apoio da Petrobrás em 2008, 40 anos depois...). No filme, Jean Claude aponta uma ruptura com os cânones da época: o respeito à realidade "tal e qual ela se nos apresentava, sem interferência". Pois eu pregava, -e praticava-, o inverso: a realidade como tal é um fetiche: a presença da equipe e da câmera muda a cena e era preciso aprender a fazer isso para captar o resultado dessa "intervenção" de modo mais revelador, menos passivo, mais crítico. (Posso aqui lembrar que fui bastante criticado na época por causa disso; hoje, é uma postura já incorporada pelos documentaristas).
Mas a novidade, para mim, foi a visão de Jean Claude sobre a proibição do filme "Wilsinho Galiléia" (1978)(VEJAM POSTAGEM ANTERIOR). Jean Claude ligou essa proibição à proibição de outros filmes como idéias semelhantes, de busca de uma dramatização do filme documentário, com atores: "Cabra marcado para morrer" (1964), "Iracema" e "Wilsinho" . Segundo ele é preciso refletir sobre essa perseguição a esse tipo de cinema (feroz e popular, acrescento eu).Jean Claude terminouaa dizendo que essa sequ~encia deproibições fez muito mal à história do documentário brasileiro.
NA PRÓXIMA POSTAGEM, uma continuação: a proibição de meu projeto "Os Demônios", roteiro proibido pela ditadura e, por isso, não filmado.

perdas do cinema latino-americano

A mesa de discussão sobre minha obra, como parte da homenagem do 5º Festival Latino-americano não podia ser melhor: Maria do Rosário Caetano, responsábvel pela minha biografia editada pela Imprensa Oficial ("Alguma solidão e muitas histórias"). E Jean Claude Bernardet, nossa melhor cabêça e responsável pelas mais agudas análises sobre meus filmes e minha trajetória como cidadão/cineasta. Em sua primeira fala, Rosário deu a deixa, lendo um texto seu sobre meu filme "Wilsinho Galiléia", proibido pelos militares (Palácio do Planalto mesmo)em 1978 e que estava programado, por ser longa, em dois programas do Globo Repórter ( para quem não sabe, o Globo Repórter nasceu como um programa de cineastas: Paulo Gil Soares, Eduardo Coutinho, Walter Lima, Maurice Capovilla, eu mesmo e outros mais eventuais como Hermano Penna, Gregório Bacic, etc. Nós fomos saindo do programa com o desgaste político provocado por nosso espírito crítico: a gota d`´agua foi a proibição de Wilsinho Galiléia.
Wilsinho Galiléia é um precoce filme sobre a origem da violência social no Brasil: a história do garoto que, tendo sido preso aos 9 anos por razões fúteis, transformou-se num assassino frio, assaltante a mão armada, fuzilado numa emboscada pela polícia assim que completou 18 anos. O filme ( mesclando personagens da vida real com atores, refaz sua trajetória de menino pobre (periferia de SP)mostrando a carga social na formação de sua trajetória de mortes e violência.
NA PRÓXIMA POSTAGEM FALO DO ENFOQUE DE JEAN CLAUDE BERNARDET e sua visão sobre a proibição do "Wilsinho"

terça-feira, 13 de julho de 2010

Festival Latino Americano de SP

Eis matéria da FAPESP com minhas posições politicas sobre o cinema latino-americano em 2007:
HUMANIDADES
| FESTIVAL DE CINEMA
Contra o peso do passado
Novos talentos devem se tornar protagonistas do cinema latino-americano
Mariluce Moura
Edição Impressa 139 - Setembro 2007
© EDUARDO CESAR


Protótipo em aço do troféu entregue aos ganhadores
Quando em 2005, ainda na posição de secretário da Cultura do Estado, o cineasta João Batista de Andrade pensou num festival de cinema latino-americano em São Paulo e começou a desenvolver o projeto junto com Fernando Leça, presidente do Memorial da América Latina, duas idéias rondavam sua cabeça: contribuir para uma leitura nova do cinema que se produz agora nesse subcontinente e investir contra um culto ao passado que quase se tornara opressão para permitir que os novos talentos assumam o papel que lhes parece devido, ou seja, o de protagonistas da cena contemporânea.
“Continuávamos ali com o viés do cinema marcado pela ditadura e pelas lutas contra a ditadura dos anos 1960, 70 e 80 e isso me preocupava”, diz João Batista, que, como secretário, viu se materializar em 2006 o 1º Festival de Cinema Latino-americano de São Paulo (leia Pesquisa FAPESP nº 127) e em 2007, já distante da secretaria, assumiu a curadoria do segundo. Realizado, como o primeiro, no Memorial da América Latina, entre os dias 22 e 27 de julho, o festival deste ano incluiu a exibição de 120 filmes de 16 países, vistos por 15,6 mil pessoas, muitos debates e a concessão de três prêmios, além da promessa de Fernando Leça de trabalhar pela montagem de uma sala para exibição permanente de filmes latino-americanos no Memorial.
Esclareça-se que João Batista, como ele enfatiza, nada tem contra o passado do cinema latino-americano em si, “excelente em vários momentos”, nem contra os belos frutos que indiscutivelmente produziu. “Mas para construir um gesto político conseqüente hoje, que contribua para tornar viável o novo cinema, é fundamental livrar-se do peso excessivo do passado e ver com os olhos do presente o que se passa”, diz. E em seu entendimento, o que está em curso é, primeiro, “uma globalização perversa”. Sinteticamente, trata-se de um fenômeno que produz a visibilidade e mesmo o sucesso internacional de alguns cineastas, técnicos e atores de diferentes países da América Latina, “sem que isso tenha qualquer conseqüência efetiva para as cinematografias nacionais no subcontinente”.
O diretor de O homem que virou suco (1981) cita Héctor Babenco, Fernando Meirelles, Iñarritu e Walter Salles, entre outros, cita filmes como Machuca, Cidade de Deus, Amores perros, Central do Brasil e Como água para chocolate, para ilustrar sua visão sobre uma espécie de coleta de produtos de valor que o mercado internacional tem feito nesse subcontinente. É algo “nos velhos moldes da coleta do pau-brasil”, exagera ele, com um resultado que “é bom para os cineastas, é bom para os filmes eleitos, mas é nulo para as cinematografias nacionais – elas permanecem do mesmo jeito”. João Batista observa, entretanto, que há que se preservar cineastas e filmes nessa crítica, para analisar de fato e a fundo as contradições da situação presente. Essa internacionalização de certas personagens e filmes, ele acrescenta, acontece sem nenhuma espécie de paternalismo em relação aos cineastas e se dá no âmbito da indústria e do comércio segundo seus interesses. E já hoje “vários produtores e exibidores passaram a trabalhar em nossos países com a idéia do cinema industrial. Eles são os novos executivos do cinema, cujos escritórios estão sendo abertos em Nova York, Xangai ou Paris
Em paralelo a esse modelo de internacionalização, o que se passa hoje, segundo João Batista, é uma ocupação brutal do mercado exibidor do Brasil e de seus vizinhos pelo cinema norte-americano. E o reconhecimento dessa condição, diz, é vital para qualquer novo gesto político conseqüente no âmbito do cinema latino-americano. “Não é possível tornar viável esse novo cinema que produzimos enquanto o cinema norte-americano continuar ocupando 90% do mercado exibidor. Temos que fortalecer a idéia de que queremos dar um basta nisso. Recentemente, em dado momento, apenas três filmes norte-americanos ocupavam 70% do mercado de exibição em São Paulo”, protesta João Batista.
A sua visão relativamente à indústria cultural é de que ela não pode ser gerida como uma indústria qualquer, porque não o é. “Assim, incentivo financeiro aos exibidores, reserva de dias para a produção local nas salas de cinema, medidas similares às que foram tomadas na França para ampliar a cadeia de cinema comprometida com essa produção, tudo é válido”, ele argumenta. Alguma saída, insiste, “temos que encontrar politicamente”, e João Batista promete se empenhar para difundir em outros festivais, como os de Guadalajara e Mar del Plata, as idéias de ação política já debatidas em São Paulo. De todo modo, ele pensa que é tempo de os governos nacionais encararem a questão sem medo dos Estados Unidos. “Essa idéia de que o exibidor deve ser livre para exibir o que quer corresponde a uma falsa noção de liberdade. Não decorre da liberdade o poder de uma indústria cultural sufocar outras.”