segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Memórias de meu tempo na TV Cultura

Republicando

Memórias de um combatente das imagens



Uma filmagem de ação policial: Em 1972, estávamos começando nosso "Hora da Notícia" na TV Cultura (com Vladimir Herzog, Fernando Jordão, Fernando Morais e outros bravos amigos). O "rádio escuta" (fica escutando notícias para a pauta) me disse que haveria uma "Operação tira da cama" naquele dia. Eu já havia visto: um horror facista: policiais armados entravam nas favelas à noite, com holofotes, cães, arrebentavam as portas dos barracos, tiravam todo mundo de lá, pedindo documentos. Onde estavam os cinegrafistas filmando: entrando junto com a polícia.
Então eu chamei um cinegrafista que já havia participado dessa ação e disse: vai lá e filma do jeito que você sempre fez. Ele foi, filmou tudo ao lado da polícia. Eu fui com minha equipe no dia seguinte de manhã e passei a ouvir os moradores, os "invadidos". Eram relatos impressionantes inclusive de crianças, o medo das armas, dos cães, os holofotes nos olhos... Pois esses depoimentos, na montagem, cobriram as cenas de violência. Em 1972, com Médici no poder, ver isso na TV nos deixava arrepiados. Essa postura desenhava o que começávamos a elaborar, uma espécie de cartilha de oposição étuica e estética à ditadura: considerar que a autoridade na informação não era a autoridade institucional, mas aqueles que vivem a situação. Essa visão marcou nosso trabalho, todos os meus filmes, desde 1972 até a intervenção no programa, em 1974, quando saimos todos, expulsos da TV. Tenho muito orgulho do que fiz.

sábado, 12 de janeiro de 2013

delirios

sabadão com chuva. Quieto, a imaginação ganha espaços que o corpo não pode. Cochilo diante da TV desligada, meu tio grita com as pobres vacas atoladas na lama do quintal. Pouco, muito pouco leite, ele reclama. As vacas estão estranhas, juntam-se no canto do velho curral e nos encaram. Ficam lá, paradas. Um grande gavião pousa no chifre da Chorona, a melhor de leite e também a de maior chifre. O gavião é que comanda!- Grita para meu tio, ameaçador. Meu tio grita com ele, era só o que faltava. Então não falta mais nada, grita o Gavião. Eu sei quem é você, grita meu tio. Sim, é o filho do maldito Capitão, oficial reformado do exército, vizinho que andou tomando terras de meu tio. E é ele mesmo, o Goiaba, rapaz bobo. O que você quer? - queria era minha prima que, da janela, lhe manda beijos.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A Ferrovia do Diabo

A FERROVIA DO DIABO! - Meus amigos, acabo de assistir, depois de 32 anos, uma cópia de meu filme A FERROVIA DO DIABO, de 1981, que estava desaparecido.  Assisti com grande curiosidade e me surpreendi com a riqueza do filme, que conta a história da ferrovia Madeira-Mamoré e sua desativação truculenta, partiucularmente pelos militares depois do golpe de 64. Os depoimentos de operários, ainda temerosos (pois em 1981 ainda estávamos sob a ditadura militar) falam de "regime de força, 5º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção Militar). Histórias absurdas, ordens de destruir máquinas, de jogar máquinas novas no Rio Madeira, e por aí vai. A cópia que assisti é uma cópia de uma cópia de uma cópia, imagens ruins e som ruim. Agora, outra tarefa: a de encontrar os originais do filme. Espero contar com o apoio do IPHAN, que ficou com o filme depois do fim do PRÓ-MEMÓRIA, que foi o produtor.
Que o filme não sofra o mesmo que sofreu a ferrovia!

domingo, 6 de janeiro de 2013

bela praia

Final de festas, a praia carregada de lembranças. Nem sempre boas. Ondas mais audazes subiam até perto da calçada, lambendo tudo o que a multidão havia deixado nos dias de festas. A lâmina de água corria delicada de volta para o mar, carregando em seu dorso uma constelação de brilhos. Plásticos, vidros, papeis, roupas, restos de tudo. A volta da água é recebida com mal humor. O mar exibia sua revolta. O encontro com as novas ondas criava uma feia pororoca, salpicada de objetos repugnantes. Depois de segundos de feérica luta, tudo era engolido mar adentro. Para depois voltar, em nova onda, como um vômito marinho, devolvendo o lixo indesejável, cobrindo a areia branca e inocente da bela praia.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

trocando de nome

O patrão teimava em chamá-lo de Leandro. E Castor corrigia, corrigia, corrigia. E de novo lá vinha o homem: "Leandro!". Um dia Castor resolveu por fim àquele incômodo. Enfrentaria o patrão, mesmo sob o risco de perder o emprego. Quando pensou que o patrão reagisse com fúria, deu-se o inusitado. O homem ficou silente, sentou-se sobre uma pedra e, com dificuldade, os olhos lacrimejando, definiu a situação. Sim, Leandro era outro, um ex-empregado. E despencou os elogios: era simples, trabalhador, honesto, de confiança. Tanto que o patrão foi aumentando seu salário para acabar propondo a ele que se tornasse seu... sócio! - Mas o pobre do verdadeiro Leandro não resistiu a tanta emoção: tombou ali mesmo, na hora, vitima de uma overdose de emoção. Pobre verdadeiro Leandro. Castor escutou, tenatando decifrar as lágrimas do patrão. Sim, entendeu finalmente: o patrão queria que ele substituisse o empregado perdido. "Chamar você de Leandro é uma honra poara você, Castor". Castor esperou, sabia que atrás dessa generosidade receberia uma proposta. "Seu coração, como é?"- "Meu coração é ótimo..."- "Então lá vai: quer ficar meu sócio?" Castor olhou em volta, tanto para fugir ao olhar insistente do patrão quanto para medir as consequências. Sócio de que? - o negócio não lhe parecia atraente, consertar velhos aparelhos de TV, muitos dos quais ultrapassados e que os donos nem apareceiam mais para buscar. O salário lhe parecia melhor, mais garantido. Mesmo que o patrão continuasse a chamá-lo pelo outro nome. E depois, mudar de nome? - o nome que sua mãe escolhera com tanto carinho, depois de ver uma repostagem na TV sobre aqueles animais construtores...Não...Até que seus pensamentos foram interrompidos por um grito irado do patrão: "E aí, Leandro, vai aceitar ou não?" Castor sentiu o peso da oferta. Talvez fosse melhor aceitar. E foi o que fez, achando até que "Leandro" não era um nome ruim.