sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Discurso de posse Memorial A. Latina


Prezado Governador,

 

Esta será a segunda vez que o destino, alimentado por sua generosidade, me coloca em seu governo. Primeiro como Secretário da Cultura, um desafio imenso para quem, como eu, nunca havia provado a experiência de um cargo público. Posso dizer que não me faltava experiência política, pois minha vida aprendeu muito cedo a conviver com pelo menos três paixões: o cinema, a literatura e a politica. Tendências nascidas praticamente juntas, quando meu barco aportou em São Paulo em busca do futuro, para cursar engenharia na Escola Politécnica a partir de 1960, aliás, como colega do ex-Governador José Serra. 

A tal ponto essas paixões se entrelaçaram, sem jamais perderem suas identidades próprias que por várias vezes sofri reprimendas por me ligar tanto à politica, em detrimento principalmente do cinema. Mas é uma crítica injusta. Pois apesar de ter estado, desde o início dos anos 1960 e principalmente sob a ditadura militar, ter estado mergulhado na ação política, nunca deixei nem de escrever nem de filmar. Tanto que sou um dos cineastas com mais filmes nesse país, além do trabalho na TV, onde destaco o programa “Hora da Notícia”, na TV Cultura entre 1972 e 1974 com Fernando Pacheco Jordão e Vladimir Herzog. E o “Globo Repórter”, entre 1974 e 1982, lembrando que era um programa de sucesso  criado e realizado por cineastas brasileiros até o momento de minha saída, quando já estávamos sendo substituídos por repórteres.

Na Secretaria, Senhor Governador, fizemos o que foi possível, contando, aliás, com uma parceria que só nos engrandecia, a do amigo Fábio Magalhães como Adjunto. E a participação fundamental, na área de museus, do agora Secretário da Cultura, Marcelo Araujo. Penso que o balanço foi bastante positivo: em apenas dois anos de gestão, reestruturamos inteiramente a Secretaria,  desenvolvemos  um projeto de rearticulação e fortalecimento dos museus paulistas, conseguimos de V. Excia a dobra do orçamento encontrado.  Reiniciamos e inauguramos o Museu da Lingua Portuguesa, com todo seu sucesso. E, para saltar sobre feitos, conseguimos, com o incentivo e apoio fundamentais de V.Excia, elaborar  colocar em prática uma lei da Cultura, sonho de décadas do setor cultural deste estado: O PROAC, programa de ação cultural que, aprovado na Assembléia Legislativa, sancionado por V. Excia,  tem tido um papel fundamental também de sucesso no incentivo à produção cultural em São Paulo.

É preciso que eu faça aqui um elogio a V.Excia, Governador. Pois além do apoio que mereci de V.Excia, o senhor mostrou para mim o tipo de político que é: exigente, atento, rigoroso mas extremamente respeitoso, jamais permitindo que as decisões da politica cultural fossem tomadas fora da própria Secretaria e do Secretário.

Muito obrigado por essa confiança e, posso dizer mesmo, amizade desenvolvida nesse rico período de aprendizado em minha vida.

 

Agora, o desafio novo se chama Memorial da América Latina.

“Bom, agora ele já não é mais estreante”, dirão.

Nada disso. Como cineasta sempre disse que cada filme iniciado é o reinício de uma carreira: esfria a barriga, tira o sono.

E agora vejo que é assim também na política.

 

E, além de tudo, o novo desafio vem com palavras que mexem com a emoção e minha própria formação tanto como político quanto como escritor e cineasta: América Latina.

O Memorial da América Latina nasceu e se tornou realidade banhado nas águas dessa emoção, na sensualidade da obra de Oscar Niemeyer e nos sonhos de Darci Ribeiro, duas das melhores referências de brasilidade e de encantamento, criadores que  acreditaram na possibilidade  de um mundo novo filho tanto dos povos originais americanos quanto da cultura e das novidades, - e também a violência,  trazidos pelos estrangeiros, portugueses, espanhóis.

Esses sonhos alimentaram minha geração, desde a adolescência, nos anos 1950. Sonhos de busca de um futuro melhor para milhões de latino-americanos, povos subjugados pela violência de dirigentes que governavam para si mesmos e para os detentores das riquezas nacionais.

Sonhos que nos levavam ao paroxismo do sofrimento, da dor, embalados pelas agudas expressões culturais de resistência e belezas originais de todos esses povos. Os cineastas com seus filmes, os cantores com suas canções que ora pareciam lamentos ora pura rebeldia, os poetas, os escritores com uma literatura espantosamente política e refinada, atores e dramaturgos revolucionários, artistas plásticos renovadores e donos de sensível espírito crítico e inconformista, - toda uma cultura de extrema beleza e emoção, que formava o rio de esperança e de luta pelo qual navegávamos rumo a um esperado futuro melhor, mais justo, menos violento, de mais oportunidades para todos, sem exclusões.

A América Latina, apesar de tantos avanços nas últimas décadas, ainda carrega muito dos males que tanto nos incitavam à luta, à denúncia.

Mas há grandes mudanças em cursos.

Podemos dizer, quase como verdade absoluta, que estão superados os terríveis dias, noites, meses, anos, décadas de ditaduras militares que tanto nos feriram, feridas que certamente não foram ainda devidamente curadas, tamanho é o mal que as ditaduras provocam nas sociedades.

Pode-se dizer hoje que cada país busca seu caminho, saindo das noites tenebrosas para a luz da democracia.

É uma construção complexa e difícil.

E, de cada país, de cada povo, olhamos para os outros tentando compreender. Algumas vezes com entusiasmo, muitas vezes com ceticismo, às vezes mesmo com críticas severas.

Aprendemos, Governador Alckmin, Ministro Almino, a valorizar a democracia, acima do que ouso chamar de nosso açodamento primordial em implantar projetos prontos, como paraísos que, desta forma acabaram se revelando perigosos e mesmo inviáveis, apesar da riqueza e da generosidade dessas propostas que também alimentaram minha geração.

Aprendemos a respeitar a democracia, “como valor universal”.

O fundamental é isso, que a diversidade de caminhos respeite essa universalidade primordial, que tudo se construa com o pensamento na melhoria da vida de milhões e absoluto respeito aos direitos humanos, aos direitos universais do ser humano com sua sociabilidade, sua cultura, sua territorialidade.

Aqui entre nós, o Memorial tem sido a busca de um relacionamento aberto com esse universo de tão diversificado espectro político e cultural. Com essa ideia meus antecessores empenharam seus esforços fazendo que o Memorial se tornasse um importante instrumento de intercâmbio, estudo e divulgação do mundo latino-americano, principalmente através do CBEAL, o Centro Brasileiro de Estudos da América Latina, agora dirigido por Adolpho José Melfi, ex- reitor da USP e intelectual que vem fazendo um belo trabalho  de relacionamento e de publicações sobre a história e desafios da América Latina.

Essa busca terá continuidade nessa gestão.

O Memorial tem sido também palco de importantes eventos em todas as áreas da cultura, quase sempre voltados para nossa latinamericanidade.

Cinema, Teatro, artes plásticas, culturas populares, música, circo, todas essas formas de expressão culturais tem encontrado no memorial o espaço e o apoio para se apresentarem.

Devemos intensificar e diversificar essa programação, divulgá-la mais, atrair mais parceiros. Queremos uma maior participação do cinema brasileiro, do teatro, dos músicos, dos grupos de expressão popular, do samba, do repente, do circo, dos artistas plásticos.

Ao mesmo tempo, Sr Governador, trataremos de buscar um maior reconhecimento do Memorial primeiro pela própria população paulistana, que recebeu em seu espaço essa oferenda carregada de sonhos, ideias, possibilidades. Depois pelos cidadãos desse Estado, através de contatos, itinerâncias e visitas programadas em parceria com prefeitos do interior. É preciso que todos tenham  possibilidade de visitar e frequentar esse espaço tão generoso de nossa cidade. E, ali, em qualquer que seja o atrativo, descobrir a riqueza de nossa programação, a beleza arquitetônica de nosso espaço, a diversidade das culturas latino-americanas.

Agradeço ao senhor, Governador, por mais esse gesto de confiança. Agradeço também ao Secretário da Cultura Marcelo Araújo pelo empenho em minha vinda para mais esse desafio.

E ao Presidente do Conselho do Memorial, Almino Afonso pelo apoio e amizade.

Muito obrigado a todos.                                

Um comentário:

Mariana Calil disse...

Parabéns JBA. Você merece.