sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

emails Michilles

João,

Com todo respeito...nunca fui filiado a um partido, tampouco nos tempos clandestinos...O máximo que consegui foi ser próximo a "Ação Popular", na verdade amigo de Honestino Guimarães (desaparecido), ele foi uma espécie de irmão mais velho quando cheguei em Brasilia aos 15 anos de idade (1968). Mas posso te contar que os meus heróis desde os 13 anos, todos eles eram comunistas, ao menos um deles Geraldo Campelo integrava a direção do PCB-AM, visitava-o em sua casa, ele gostava de mostrar as suas fotos na URSS, na China junto ao MAO, em Cuba com Fidel e Che, etceteras. 

Visita-lo era sempre um ato de desobediência civil e familiar. Geraldo, apesar de ser da elite-AM, por exemplo, o sobrinho viria ser senador da republica Jeferson Peres, ele era renegado como tivesse contraído uma doença contagiosa Geraldo vivia com a Maria (líder comunista) mas não eram casados. Os outros heróis eram o líder estudantil amazonense, o comunista Amazonino Mendes e a sua namorada Tarcila Negreiros entre outros. Já anos 70, ao menos Amazonino, já mostrava-se disposto a apoiar quem combatia, inclusive os militares. Foi uma desilusão. Um dia conversando com ele...justificou-se, "caboclo, já dei a minha contribuição a causa". Dito isso, o que assistimos hoje é deprimente..algo semelhante ao que me pareceu frustrante no Amazonino... ex-comunistas agindo sob oportunismos, colaborando com argumentos que só sedimenta o ódio ao PT e incluso todos aqueles que de alguma forma não são petistas, mas defendem uma ordem social-democrática.

O mundo girou...O papa Joao Paulo II, Ronald Reagan e Margaret Thatcher quando chegam ao poder iniciam o desmanche das conquistas do pós-guerra e dos conflitos anos 60 (liberdades individuais), era o Acordo de Washington, aqui denominado de "neo-liberalismo". Alavancou-se a epidemia do consumo...desmoralizou-se o espirito coletivo e o individualismo (narcisismo), o tal do animal-empresário exaltado como orgânico a humanidade. Caiu o Muro de Berlim e com ela toda a mentira que se ergueu para justifica-la. A esquerda viu-se perdida, assim como os jovens "beats" da geração perdida dos EUA. E, aí que gostaria de afirmar. Acredito nas análises históricas que recorrem a psicanálise: Herbert Marcuse, Norman O. Brown, Michel Foucaut, W. Reich,Cristopher Lasch...Um dos maiores equivocos dos comunistas foi renegar Sigmund Freud & não terem lido "O mal-estar na civilização"(1930). 
A perseguição aos dissidentes ou aqueles que pensavam diferente (Maiakovski, Eisenstein, Meyerhold, etc), quando não eram mortos, foram denominados de loucos e levados ao hospício ou prisão (Gulag). E, antes que encerre esta aborrecida argumentação (pelo texto extenso), quero lembra-lo do psicanalista franco-martinica Frantz Fanon: Todo pueblo colonizado - es decir, todo pueblo en cuyo seno haya nacido un complejo de inferioridad a consecuencia del enterramiento de la originalidad cultural local- se sitúa siempre, se encara, en relación con la lengua de la nación civilizadora, es decir, de la cultura metropolitana.” 
abs

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06Mai2015




Caro Michiles,
Por brincadeira, estamos muito... respeitosos.
Nós nos conhecemos pouco, mas eu pelo menos admiro você  como cineasta (conheço pouco também)  e pela sua ligação com a história, os pensamentos.
Não vamos exagerar falando de perseguições. Os primeiros anos da URSS foram de grande liberdade. Logo tudo caiu na politização extrema e nas disputas pelo poder. Tal como aconteceu com o (meu) PCB, o setor popular inoculou todos os seus preconceitos contra os intelectuais, incrivelmente manipulados pelos dirigentes (intelectuais?) mais repressores. A esquerda do mundo engoliu aquilo em todo o mundo, "em nome do socialismo". E muiiiiiitos não conseguiram acreditar nas terríveis denúncias do stalinismo. Essa coisa de aplicar a psicanálise à história é bastante duvidosa. Encanta, Fanon é um poeta da revolução encantada. Alimenta a alma guerreira.  É do nosso lado, do lado da utopia comunista.  Mas é preciso buscar raízes históricas mais complexas para os comportamentos. Você sabe, eu fiquei contra a ideia de luta armada, contra as idéias da tricontinental.Contra a ilusão poética da luta armada, líderes quase como deuses conduzindo o povo para a luta. Sempre fui PCB. Mas segui amigo de Cuba. .Os povos cultivam uma certa sabedoria diante do poder. E cultivam o senso prático de suas vidas diante de ofertas sonhadoras. Sentindo o poder como uma força acima de suas próprias forças, busca caminhos que julga possíveis. Minha mãe ficava brava com meu pai quando ele discutia política com amigos: era expor-se demais. Mas minha mãe não tinha esse complexo do oprimido que se sente inferior diante da cultura do opressor. Claro que esse sentimento também existe. Quando fui á região da Guerra do Contestado, descobri lá que as famílias tinham vergonha de dizer que antepassados haviam lutado ( e vencido em muitas batalhas) o exército brasileiro. Era claro: a classe dominante inoculou na sociedade uma visão lombrosiana dos revoltosos. Aí está. Isso é o que se deu depois da guerra. Um comportamento que misturava uma certa vergonha e o medo da repressão. Mas esse sentimento não impediu que, durante a guerra, os camponeses tenham aderido à luta e que suas relações com os coronéis ("compadres") se transformassem em relações de conflito e ódio. 
Na verdade não excluo sua visão como possível. Leio com prazer.  
Mas, mesmo gostando de teóricos como o Fanon, penso que o comportamento humano é mais complexo, exige mais. 

Estou muito cansado, depois de um dia exigente demais.
E talvez esteja sendo confuso. 
Mas vou terminar com três pensamentos:
1- A questão é a democracia. A esquerda deve sempre se pautar por ela, aprimorá-la e não usá-la;
2- A esquerda deve lutar sempre pelo poder dentro da democracia. Mas deve também admitir e estar preparada para as derrotas.
3- As divisões da esquerda nos anos 60, contra a ditadura, reafirmaram o que era mesmo preciso: não há uma só esquerda nem no Brasil e nem no mundo. Os stalinistas queriam isso mas o PCB, em sua Resolução de 58 afirmou o caráter nacional da luta socialista no Brasil. Estávamos juntos mas não misturados...
Um abração,
JBA
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