quarta-feira, 4 de junho de 2014

Premiação OAB Direitos Humanos


Premio na OAB, ontem à noite.
Escrevi um texto, mas não li... Vou publicar em meu blog (http://www.joaobatistadeandrade.blogspot.com.br/

Iniciei dizendo que eu era um raro representante da juventude que levou o golpe de 1964 na cabeça. E de como a ditadura foi um absurdo, depois do porre de liberdade e progresso na segunda metade dos anos 1950 até o golpe. Abertura que gerou em todos uma euforia muito grande e uma explosão cultural: bossa nova, cinema novo, teatro novo. Alto astral e reconhecimento internacional. O golpe jogou tudo no bueiro.
Meu cinema reflete meu inconformismo diante desse absurdo carregado de violência, medo, perseguições, cassações, tudo o que podia haver de pior. Além de tudo a ditadura criou uma casta política subserviente e oportunista, que ainda dificulta o funcionamento de nossa democracia.
O prêmio, dado a mim pela minha carreira me identifica como "cineasta brasileiro", o que me deixou feliz. Por isso dediquei ao Cinema Brasileiro esse premio. E também aos meus queridos cinco netos: Maria, Laura, Olivia, Artur, Aurora e Francisco, Estavam lá a Maria, a Laura, o Artur e o pequenininho Francisco. Com as mães, Paula Astiz e e Bia Vanzolini. Também meu filho, o arquiteto Vinicius Andrade. Estavam lá tb meus sobrinhos Vlamir, Rita, minha querida sobrinha-neta Olívia e minha irmã Zezé, aquela mesmo, de Gonçalves das geleias e broas...E muitos amigos e companheiros do Memorial. 


Mensagem boa da Ariane Porto: Ariane Porto João, não é apenas um prêmio por "melhor filme". É um prêmio pela "melhor vida". E isso é a coisa mais importante - ter do que se orgulhar ao longo dos anos. Parabéns, e tenho certeza que continuaremos nos orgulhando de fazer parte de sua vida! 

Eis o texto que não li:



PREMIAÇÃO DIREITOS HUMANOS OAB-SP      03\Jun\2014

Caros amigos,
Recebo hoje, com um misto de alegria e uma certa nostalgia,  o prêmio FRANZ DE CASTRO WOLZWARTH de Direitos Humanos.
Considero uma honra sem limites receber esse prêmio ao lado do Ivo Herzog, diretor do também premiado Instituto Vladimir Herzog de cuja história também faço parte. E ao lado da premiação justa e importante aos constituintes de 1988, com Ulisses Guimarães, autores de nossa “Constituição Cidadã”.
Passei esses dias provocando minha própria história, vendo como isso se tornou possível e até mesmo questionando se haveria mesmo um merecimento que justificasse a homenagem. Vim do interior de Minas, sozinho, enfrentar a vida em São Paulo e dar sentido à minha juventude entrando na Universidade em 1960, lá se vão cinquenta e quatro anos. Inquieto, aprendi a pensar, descobri o mundo da cultura e da política. O golpe de 1964 jogou no bueiro o que eu imaginava para mim e para o país. Como tantos outros, muitos e muitos com muito mais perdas e sofrimentos, tive que reconstruir minha vida. Abracei o cinema, me casei, atravessei os piores anos da ditadura militar com dois filhos pequenos obrigados a vivenciar comigo o cotidiano de silêncios, medos, terror, desconfiança, conversas reservadas, notícias ruins, alarmes. Foi uma longa travessia em que o tormento muitas vezes parecia maior do que minha capacidade de lutar. Muitas vezes fui desesperado, muitas vezes lúcido, muitas vezes errático, muitas vezes pragmático, errei, busquei de novo o acerto, corrigi, refiz, vibrei, sofri, lutei como pude, vivi como pude. O passado, com uma juventude carregada de ideais igualitários, ainda me pesa como uma perda. A necessidade de superar o arbítrio se tornou mais premente do que o sonho de uma nova sociedade. Isso está em meu primeiro filme "solo", o "Liberdade de Imprensa", de 1967, contraponto à Lei da Imprensa promulgada pela ditadura e, não por acaso, apreendido e proibido no início de 1968, antes de sua distribuição, mas famoso pela sua proposta inovadora e provocante como cinema documental. De lá para cá são dezessete longas-metragens, ora de ficção, ora documentais. E dezenas de documentários para circuitos independentes, como o famoso "Greve!, de 1979, sobre a greve do ABC, feito com a rapidez necessária para que os próprios grevistas vissem o filme ainda durante a greve, - e se espantassem com as vigorosas imagens do movimento, imagens que não podiam ser vistas pela TV, censuradas pela ditadura.
Tentando desenvolver mais ainda esse embate com a realidade brasileira, fui para TV. Primeiro, em 1972, para realizar especiais no primeiro telejornal diário da TV Cultura, em 1972, a convite de meu amigo Fernando Pacheco Jordão e do saudoso amigo Vladimir Herzog, o querido Vlado que a ditadura militar roubou de nós. Ali, para todos nós, vivíamos o exercício de apreço à verdade e à informação, mergulhado num regime totalmente avesso a esses valores. Era um exercício diário. E, para mim, a busca diária de um modo de revelar a vida real no Brasil, em contraposição à manipulada imagem de país paradisíaco veiculada pela ditadura. Depois, expulso da TV Cultura em 1974 pelo interventor a serviço da ditadura, caí para o alto, convidado, ainda em 1974, a criar na TV Globo o setor de reportagens especiais de São Paulo. Assim, acabei formando, com alguns cineastas como Eduardo Coutinho, Walter Lima jr, Maurice Capovilla o time de cineastas responsáveis por um dos programas mais bem sucedidos da TV brasileira, unindo cinema e tv: o Globo Repórter, experiência que, com essa característica, mais crítico, mais autoral, durou até a proibição de meu filme "Wilsinho Galiléia", de 1978, uma grave denúncia social proibida diretamente pelo próprio Palácio do Planalto, onde habitava indevidamente o General Ernesto Geisel. A proibição do filme, escandalosa, repercutiu muito, particularmente na imprensa escrita, sinal de que a ditadura usava as garras já em seu estertor.
Mentalmente faço aqui a extensa lista de meus filmes, encaixo-os em cada momento dessa história.
Felizmente ainda estou vivo e carregado de ideias, de projetos para agora e para o futuro. São praticamente cinquenta anos de cinema. Nos últimos anos tenho procurado seguir as mudanças tecnológicas e as novas oportunidades da era da internet. Uma nova militância de ideias no Facebook, no twitter e uma boa câmera digital na mão filmando histórias, documentos, passeatas, o mesmo propósito de sempre nesses cinquenta anos: revelar criticamente nossa realidade social e nossa História.
Tenho feito o que posso, fiz o que pude, com minhas poucas certezas, os limites de minha criatividade. E com minhas infinitas dúvidas.
Espero assim continuar. Homenagens, mais do que  medidas, selos de validade, são incentivos. É o que mais importa.
Agradeço com emoção à OAB-SP por esse prêmio que considero uma homenagem ao próprio Cinema Brasileiro, à luta dos cineastas contra as imensas adversidades e a busca de um diálogo com nossa própria realidade, nosso povo.
Agradeço particularmente ao Presidente Marcos Costa que me surpreendeu há mais de um ano, revelando conhecer e admirar muitos de meus filmes. E que vem colocando a OAB-SP a cada dia mais participante das lutas da sociedade rumo a um país mais justo, mais igual.
Agradeço ao Dr Martim de Almeida Sampaio, diretor e coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, que me outorga esse valioso prêmio.
Com emoção, agradeço aos meus dois filhos Fernando e Vinicius. Às minhas noras Paula Astiz e Bia Vanzolini, aqui presentes.
Aos meus queridos netos, Maria, Laura, Olívia, Artur, Aurora, Francisco, ao futuro desse nosso país e de nosso mundo, dedico esse prêmio.
Agradeço ainda ao sobrinhos, amigos, à minha irmã Zezé, à sobrinha Olívia e a todos os amigos aqui presentes.
Agradeço a presença de Ariane Porto, que tem produzido meus últimos projetos, inclusive o filme “Vlado, trinta anos depois”. E que agora prepara o próximo: "Bravo!", sobre Carlos Gomes.
Muito Obrigado       
Cineasta João Batista de Andrade
Na foto, com Audálio Dantas e Roque Citadini.
 — com Audálio Dantas eRoque Citadini.

Nenhum comentário: